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Foto do escritorJulia Roscoe

É um novo dia



Lisa abriu os olhos, a luz suave da manhã preencheu seu quarto com um brilho mágico. Era isso, o dia tão esperado finalmente havia chegado. É hora de crescer, é hora de deixar o passado para trás e seguir em frente.

Ela não estava pronta, mas ninguém está realmente, ficamos prontos quando estamos bem no meio da bagunça: desbravando nosso próprio caminho e descobrindo que as coisas não são como esperávamos. Claro, isso não a impediu de se preparar, de pesquisar e planejar o melhor que podia.

Seus pertences já estavam embalados. Em sua bolsa, estavam os objetos de que ela mais precisava ou de que mais gostava: seu telefone e carregador, sua carteira com uma foto dela e de sua família junto com sua carteira de identidade e alguns trocados, seu chaveiro da sorte, um pequeno frasco de álcool em gel, seu livro favorito e a velha arma de seu pai com um pente sobressalente carregado.

Lisa colocou as tiras da mochila nos ombros como Indiana Jones ajustando o chicote e indo em direção à selva. Em seguida, ela pegou sua mala de rodinha e carregou tudo para baixo.

Teria sido bom ter alguém a quem dizer adeus. Ela supôs que a casa era seu último parente vivo. Tantas lembranças ... Por mais que ela quisesse se lembrar apenas dos bons momentos passados ​​naquela casa (panquecas aos domingos, festas de aniversário, ceia de Natal), os últimos momentos lá com sua família não foram tão felizes.

– Lisa! – Seu pai gritou ao entrar, chutando a porta.

Ela correu escada abaixo, arma na mão.

– Pegue a serra – disse ele, arrastando um corpo do corredor para a cozinha.

Por uma fração de segundo, ela congelou. Embora congelar fosse o oposto do que aprendera nos últimos meses, ela não se conteve. Essa era a mãe dela. Coberta de sujeira, sangue escorrendo de seu braço direito: ela já parecia estar morta.

E estaria se Lisa não se apressasse. Balançando a cabeça, Lisa forçou seus pés a se moverem. Ela seguiu o pai até a cozinha e pegou a serra elétrica no armário embaixo da pia.

– Onde está Mike? – Perguntou enquanto ligava o equipamento.

– Ainda está lá fora.

Ela se virou para entregar a serra para seu pai, mas as mãos dele tremiam muito e eles não tinham tempo.

– Segure-a quieta – Lisa engoliu em seco, respirou fundo e olhou nos olhos de sua mãe.

– Vá em frente – sua mãe conseguiu dizer. Sua voz estava fraca, provavelmente lutando contra o medo e a dor.

– Espere! Aqui, morda isso – o pai de Lisa colocou um pedaço de couro entre os dentes de sua esposa, era seu cinto.

– Me desculpe – Lisa engasgou.

E, no momento seguinte, ela estava de volta ao foco, pressionando a serra metálica contra o braço de sua mãe, o mais próximo possível do ombro. Embora a ferida fosse em seu antebraço, Lisa não podia correr nenhum risco, o vírus já poderia ter se espalhado.

A garota sempre se lembraria do som do metal contra o osso.

– Você pode ir agora. Vá buscar o Mike – disse ao pai, enfaixando o toco que restou do braço. Sua mãe desmaiara no meio do procedimento, felizmente.

– Eu já volto – ele prometeu, embora os dois soubessem que isso não era algo que qualquer um deles pudesse garantir.

Quase uma hora depois, o pai e o irmão de Lisa voltaram para casa em segurança.

– Peguei os suprimentos – Mike mostrou a sacola cheia de latas e pacotes de comida.

– Esse é o meu menino – o pai abraçou os dois, e eles esperaram a mãe acordar.

Mike tinha adormecido na poltrona, mas Lisa ainda estava acordada, observando sua mãe deitada na cama. O pai a tinha carregado escada acima, eles queriam que ela ficasse confortável.

Lisa prestou atenção a qualquer sinal de mudança. Cor retornando às bochechas de sua mãe ou desaparecendo por completo. Uma contração de um dedo, uma respiração acelerada, qualquer coisa.

Finalmente, aconteceu: ela moveu a cabeça para a esquerda, piscou um pouco e disse: – Ei, guerreira.

Lisa saltou para o lado da mãe, cobrindo seu rosto de beijos. Seu pai se juntou a elas em seguida e logo Mike também estava na cama.

– Estou tão feliz que você não se tornou um monstro – disse Mike, fazendo todos rirem nervosamente.

– Vou fazer uma sopa para vocês – Lisa, como filha mais velha, prontificou-se a cuidar de todos.

Ela estava na cozinha, esquentando a sopa de tomate enlatada, quando ouviu o grito.

Quando ela chegou à suíte master, já era tarde demais. Mike estava deitado no chão, sem se mover, e seu pai tentava pegar a arma do outro lado do quarto.

A mão de Lisa foi para o cós da calça jeans, mas a arma não estava lá. Ela a havia deixado no balcão da cozinha.

E sua mãe, não, aquele monstro no corpo de sua mãe, era muito rápido. Ele pulou nas costas do pai de Lisa antes que ele pudesse pegar sua arma.

Movendo-se o mais rápido que podia, Lisa correu para a pistola em cima da escrivaninha. Ela agarrou, mirou e puxou o gatilho.

O monstro morto-vivo caiu no chão, sem se mover. Mas Lisa não gastou um segundo para olhar para ele, ela se ajoelhou ao lado do pai, tentando ver o que poderia ser feito.

Mas a ferida aberta em seu peito, perto demais do coração, era impossível de ser removida.

– Você sabe o que fazer – disse ele, com falta de ar. – Te amo, querida. Agora, se apresse.

Mais uma vez, Lisa disparou a arma.


De pé no corredor, ela encarou as fotografias nas paredes. Um vislumbre de outra vida, uma vida melhor. Ela tinha se certificado de que a casa estivesse como antes, antes do vírus se espalhar e transformar metade da população em monstros.

Alguém bateu quatro vezes na porta. Esse era o código. Lisa abriu, arma na mão, como precaução.

– Isso é tudo? – A mulher apontou para as malas, dando uma rápida olhada na casa, provavelmente apenas verificando se era segura.

A garota acenou com a cabeça.

– Então vamos – a mulher não ajudou Lisa com suas coisas, mas ela olhou para os dois lados da calçada antes de entrar em um Escalade preto.

Era isso. Hora de deixar o passado, de entrar no futuro. Lisa vinha estudando as possibilidades desde que sua família foi morta, dois deles por suas próprias mãos. Ir para O Acampamento, como os sobreviventes chamavam a cidade atrás da barricada, era sua melhor chance de ter uma vida normal – embora normal agora fosse um termo relativo – e era estranho que a casa em que ela tinha morado não mais se encaixava no conceito.

Então ela deu uma última olhada para sua antiga vida, disse adeus em sua cabeça e correu para o carro.

Engraçado, pensou, este era o dia em que ela deveria ir para a faculdade.

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