Lisa abriu os olhos, a luz suave da manhã preencheu seu quarto com um brilho mágico. Era isso, o dia tão esperado finalmente havia chegado. É hora de crescer, é hora de deixar o passado para trás e seguir em frente.
Ela não estava pronta, mas ninguém está realmente, ficamos prontos quando estamos bem no meio da bagunça: desbravando nosso próprio caminho e descobrindo que as coisas não são como esperávamos. Claro, isso não a impediu de se preparar, de pesquisar e planejar o melhor que podia.
Seus pertences já estavam embalados. Em sua bolsa, estavam os objetos de que ela mais precisava ou de que mais gostava: seu telefone e carregador, sua carteira com uma foto dela e de sua família junto com sua carteira de identidade e alguns trocados, seu chaveiro da sorte, um pequeno frasco de álcool em gel, seu livro favorito e a velha arma de seu pai com um pente sobressalente carregado.
Lisa colocou as tiras da mochila nos ombros como Indiana Jones ajustando o chicote e indo em direção à selva. Em seguida, ela pegou sua mala de rodinha e carregou tudo para baixo.
Teria sido bom ter alguém a quem dizer adeus. Ela supôs que a casa era seu último parente vivo. Tantas lembranças ... Por mais que ela quisesse se lembrar apenas dos bons momentos passados naquela casa (panquecas aos domingos, festas de aniversário, ceia de Natal), os últimos momentos lá com sua família não foram tão felizes.
– Lisa! – Seu pai gritou ao entrar, chutando a porta.
Ela correu escada abaixo, arma na mão.
– Pegue a serra – disse ele, arrastando um corpo do corredor para a cozinha.
Por uma fração de segundo, ela congelou. Embora congelar fosse o oposto do que aprendera nos últimos meses, ela não se conteve. Essa era a mãe dela. Coberta de sujeira, sangue escorrendo de seu braço direito: ela já parecia estar morta.
E estaria se Lisa não se apressasse. Balançando a cabeça, Lisa forçou seus pés a se moverem. Ela seguiu o pai até a cozinha e pegou a serra elétrica no armário embaixo da pia.
– Onde está Mike? – Perguntou enquanto ligava o equipamento.
– Ainda está lá fora.
Ela se virou para entregar a serra para seu pai, mas as mãos dele tremiam muito e eles não tinham tempo.
– Segure-a quieta – Lisa engoliu em seco, respirou fundo e olhou nos olhos de sua mãe.
– Vá em frente – sua mãe conseguiu dizer. Sua voz estava fraca, provavelmente lutando contra o medo e a dor.
– Espere! Aqui, morda isso – o pai de Lisa colocou um pedaço de couro entre os dentes de sua esposa, era seu cinto.
– Me desculpe – Lisa engasgou.
E, no momento seguinte, ela estava de volta ao foco, pressionando a serra metálica contra o braço de sua mãe, o mais próximo possível do ombro. Embora a ferida fosse em seu antebraço, Lisa não podia correr nenhum risco, o vírus já poderia ter se espalhado.
A garota sempre se lembraria do som do metal contra o osso.
– Você pode ir agora. Vá buscar o Mike – disse ao pai, enfaixando o toco que restou do braço. Sua mãe desmaiara no meio do procedimento, felizmente.
– Eu já volto – ele prometeu, embora os dois soubessem que isso não era algo que qualquer um deles pudesse garantir.
Quase uma hora depois, o pai e o irmão de Lisa voltaram para casa em segurança.
– Peguei os suprimentos – Mike mostrou a sacola cheia de latas e pacotes de comida.
– Esse é o meu menino – o pai abraçou os dois, e eles esperaram a mãe acordar.
Mike tinha adormecido na poltrona, mas Lisa ainda estava acordada, observando sua mãe deitada na cama. O pai a tinha carregado escada acima, eles queriam que ela ficasse confortável.
Lisa prestou atenção a qualquer sinal de mudança. Cor retornando às bochechas de sua mãe ou desaparecendo por completo. Uma contração de um dedo, uma respiração acelerada, qualquer coisa.
Finalmente, aconteceu: ela moveu a cabeça para a esquerda, piscou um pouco e disse: – Ei, guerreira.
Lisa saltou para o lado da mãe, cobrindo seu rosto de beijos. Seu pai se juntou a elas em seguida e logo Mike também estava na cama.
– Estou tão feliz que você não se tornou um monstro – disse Mike, fazendo todos rirem nervosamente.
– Vou fazer uma sopa para vocês – Lisa, como filha mais velha, prontificou-se a cuidar de todos.
Ela estava na cozinha, esquentando a sopa de tomate enlatada, quando ouviu o grito.
Quando ela chegou à suíte master, já era tarde demais. Mike estava deitado no chão, sem se mover, e seu pai tentava pegar a arma do outro lado do quarto.
A mão de Lisa foi para o cós da calça jeans, mas a arma não estava lá. Ela a havia deixado no balcão da cozinha.
E sua mãe, não, aquele monstro no corpo de sua mãe, era muito rápido. Ele pulou nas costas do pai de Lisa antes que ele pudesse pegar sua arma.
Movendo-se o mais rápido que podia, Lisa correu para a pistola em cima da escrivaninha. Ela agarrou, mirou e puxou o gatilho.
O monstro morto-vivo caiu no chão, sem se mover. Mas Lisa não gastou um segundo para olhar para ele, ela se ajoelhou ao lado do pai, tentando ver o que poderia ser feito.
Mas a ferida aberta em seu peito, perto demais do coração, era impossível de ser removida.
– Você sabe o que fazer – disse ele, com falta de ar. – Te amo, querida. Agora, se apresse.
Mais uma vez, Lisa disparou a arma.
De pé no corredor, ela encarou as fotografias nas paredes. Um vislumbre de outra vida, uma vida melhor. Ela tinha se certificado de que a casa estivesse como antes, antes do vírus se espalhar e transformar metade da população em monstros.
Alguém bateu quatro vezes na porta. Esse era o código. Lisa abriu, arma na mão, como precaução.
– Isso é tudo? – A mulher apontou para as malas, dando uma rápida olhada na casa, provavelmente apenas verificando se era segura.
A garota acenou com a cabeça.
– Então vamos – a mulher não ajudou Lisa com suas coisas, mas ela olhou para os dois lados da calçada antes de entrar em um Escalade preto.
Era isso. Hora de deixar o passado, de entrar no futuro. Lisa vinha estudando as possibilidades desde que sua família foi morta, dois deles por suas próprias mãos. Ir para O Acampamento, como os sobreviventes chamavam a cidade atrás da barricada, era sua melhor chance de ter uma vida normal – embora normal agora fosse um termo relativo – e era estranho que a casa em que ela tinha morado não mais se encaixava no conceito.
Então ela deu uma última olhada para sua antiga vida, disse adeus em sua cabeça e correu para o carro.
Engraçado, pensou, este era o dia em que ela deveria ir para a faculdade.
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