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Foto do escritorJulia Roscoe

Coelhos e ratos de laboratório


A estação de trem está vazia. Já passou do toque de recolher e fico olhando por cima dos ombros, um velho hábito. – Ninguém está seguindo você – digo a mim mesma.

Um rangido me faz parar. De onde veio? Não da bilheteria nem dos bancos empoeirados. O ruído agudo faz barulho novamente e encontro sua fonte: os trilhos.

Correndo em direção à borda, tento ver no escuro. Ali está: um coelhinho pula na grama, procurando comida.

De repente, uma lembrança antiga me vem à mente: quando eu tinha quatro anos, pedi aos meus pais um coelhinho assim. Minha melhor amiga tinha ganhado um de aniversário e era a coisa mais adorável.

Faz quase um ano desde a última vez que vi um coelho. Este provavelmente era o animal de estimação de alguém. É um milagre que tenha conseguido sobreviver por tanto tempo. Mas as aparências podem enganar. Quem esperaria que eu fosse uma sobrevivente? Sou tão frágil quanto aquele pobre coelhinho.

Quando a praga veio, vi todos ao meu redor perecendo, não importavam as tentativas dos governos de parar o vírus. A cor da pele não era um problema, nem o status social ou a orientação sexual. A doença matou todos eles, porque, no final, somos todos humanos.

Bem, quase.

– Ouça-me, Aria. – Meu pai apertou minha mão. Seu aperto era tão fraco que me fez ouvir com mais atenção o que poderiam ser suas últimas palavras. – Não deixe que eles te peguem, você tem que correr.

Durante os últimos meses, ele vinha me dizendo isso sem parar. Quando os primeiros casos foram registrados, ele, um cientista, nos fez arrumar nossas coisas e mudar para a fazenda da minha tia em outro estado. Um dia, quando ela não voltou da cidade, nos mudamos novamente.

Até então, eu pensava que estávamos fugindo do vírus, até que recebi uma mensagem estranha de Lucas, um ex-colega de classe.

"Aria, não me diga onde você está, apenas diga se você está bem".

Isso foi estranho, o vírus não tem conexão telefônica, por que dizer a ele minha localização era um problema? Meu pai me disse para não usar meu celular (ou qualquer tipo de comunicação), e ele estava desligado há semanas. Eu tinha simplesmente ligado por tédio.

"Sim, eu estou bem. Por que minha localização é um segredo?" Mandei uma mensagem de volta para ele, confusa.

"Eles estão vindo atrás de todo mundo. Você é a única da turma que respondeu minha mensagem", disse Lucas. Mas não tive a chance de exigir uma explicação. Meu pai viu que eu estava usando meu telefone e o levou embora.

– Vou continuar correndo, pai – prometi a ele quando ele ficou doente, apenas algumas semanas depois que ele jogou meu celular fora.

– Muito bem. Eles sabem que seu sangue é a resposta e vão te matar por isso. Eles sabem... porque nós criamos você.

Eu encaro o coelho outrora branco nos trilhos. Se fosse um porquinho da índia, teríamos mais coisas em comum, ou talvez um rato de laboratório.

Criada, como em um clone. Um humano não nascido que não pode morrer pelo vírus.


A eletricidade brilha à distância, a poucos quilômetros da estação.

– Desculpe, pai, mas tenho que ajudar – digo a mim mesma enquanto caminho em direção aos últimos vestígios da civilização.

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