Uma janela pode ser uma porta para muitas coisas. Certamente abriu meus olhos para esta realidade e me mostrou mais do que eu jamais tinha visto.
O número 308 da rua Saint Laurent era um lugar esquecido em Londres. Ele dependia de dois outros edifícios decadentes para se manter estável, embora a palavra pouco significasse quando o trem subterrâneo passava abaixo de sua estrutura antiga.
Quando o chão de madeira podre tremeu sob meus pés pela primeira vez, pensei que eram os Quatro Cavalos do Apocalipse cavalgando sobre a Terra. Poeira caiu das paredes uma vez pintadas e o vidro da janela ficou a um passo de rachar.
Corri para verificar se nada havia sido quebrado, embora não tivesse nenhum bem valioso com que me preocupar. Apenas a janela importava, seu vidro era a única coisa que me impedia de congelar no inverno. Procurei por alguma fenda por onde o ar frio pudesse entrar.
Duas crianças vagavam na rua abaixo. Ao contrário das histórias de Natal que minha mãe lia para mim quando eu era criança, esses dois garotos não brincavam alegremente com a neve nem cantavam canções de natal. Em vez disso, eles olhavam dentro das latas de lixo na calçada. Um deles encontrou algo e gritou chamando o outro, que correu para ver qual era o tesouro.
Não uma moeda. Nem um brinquedo. Nem mesmo um jornal amassado. Era uma maçã comida pela metade.
Assisti a um andar de distância enquanto as crianças dividiam o pedaço de comida.
A rua Saint Laurent não era um lugar onde se esperaria encontrar alegria. Mas foi onde encontrei o amor.
Todas as manhãs, a rua se enchia de vida, com as pessoas se preparando para um novo dia. Não para novas possibilidades, apenas para um novo amanhecer.
O Sr. Tharaud, um antigo professor meu, costumava nos dizer que a vida de um pássaro é pegar minhocas, e a vida de uma minhoca não é ser pega por um pássaro.
Em momentos como este, não sei se os humanos são a minhoca ou o pássaro.
A neve na rua Saint Laurent não era branca. Nem o vestido da mulher andando com um livro nos braços.
Não foi o livro que me chamou a atenção, embora fosse um objeto raro de ser visto em Saint Laurent. Um objeto que me trouxe de volta a dias mais confortáveis. Não, era o rosto da mulher. Ela estava sorrindo.
Da minha janela, eu podia sentir seu sorriso caloroso tocando minha bochecha.
No dia seguinte, à mesma hora, tornei a vê-la: livro na mão, pés na calçada, aquele sorriso nos lábios.
Uma pessoa tão estranha. Ninguém sorri assim, sem um bom motivo. Provavelmente uma lunática, já que não havia motivo para rir na rua Saint Laurent. Certamente não era o velho pub fechado àquela hora, nem os cães vadios lutando por um pedaço de pão. E não podia ser apenas o livro que ela carregava, pois ele permaneceu fechado desde o momento em que ela dobrou a esquina e continuou a andar dois quarteirões descendo a Saint Laurent, que era até onde eu conseguia ver a rua estreita e tortuosa.
Depois de observá-la com aquele sorriso estranho por quatro dias seguidos, eu tinha que saber. Esperando na calçada, eu a vi aparecer, aproximando-se com seu livro. E seu sorriso.
– Com licença, senhora. Você poderia me informar que horas são?
Ela mal fez uma pausa antes de responder: – São quinze para as seis, madame.
– Shelley?
Seu sorriso se abriu mais. – Você está familiarizada com o trabalho dele?
Eu estava. Mas eu me tornaria ainda mais íntima de seu trabalho no futuro.
"Dormindo ou desperta,
deves ter da morte
uma luz mais certa
que é da nossa sorte.
Senão teu canto não seria claro e forte.
Da saudade ao sonho
aspiramos tanto!
Nosso ar mais risonho
é da dor o manto,
nossas canções mais suas são as de mais pranto."
As palavras, por mais belas e profundas que sejam, diminuíram em comparação com o som de sua voz.
O inverno continuou frio. Saint Laurent era tão bonita quanto uma pilha de bosta de cavalo. O número 308 continuaria desaparecendo. Mas a janela mudou para a pessoa ao meu lado. Aquela que continuaria a sorrir com a mesmice da vida.
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